Querido cachaceiro, querida cachaceira do meu coração
Ontem a tarde eu subi no avião eufórica com a newsletter completa na cabeça. A intenção era contar pra você “tim-tim por tim-tim” como foi a grande final do Concurso do Rabo de Galo em Portugal. Porém, assim que cheguei em casa eu percebi que havia algo de muito errado.
Inúmeras notícias perguntando como eu estava e mensagens de meus pêsames lotaram minhas caixas de mensagens. Mestre Derivan, o padre da coquetelaria brasileira, morreu em Portugal, horas antes de poder embarcar no avião de volta ao Brasil.
Eu havia passado os dois últimos dias em sua companhia em Portugal e fiquei muito chateada com a notícia. Antes de ele ir embora, eu pedi umas fotos com ele. Bebemos um Rabo de Galo juntos. Ele ainda se virou, soprou um beijo pra mim, fez tchau pro meu marido e disse a ele: “cuida dessa menina, ela vale ouro”.
Um pouco antes do concurso acabar, o Eduardo Bartender me entregou uma garrafa de cachaça com um pouco de Rabo de Galo para eu levar e beber no hotel depois do concurso. Ele havia preparado a batelada para uma palestra que o Mestre Derivan deu no Lisbon Barshow antes de ir embora.
Eduardo me ligou para me contar os pormenores do que havia acontecido em Portugal depois da morte do Mestre e me lembrou que o conteúdo da garrafa havia sido o último Rabo de Galo que o Mestre havia bebido. O mesmo da foto abaixo. O mesmo que eu fechei com esparadrapo e coloquei na mala a qualquer custo e que agora se encontra no meu apartamento.
Mestre Derivan foi responsável em colocar a caipirinha na boca das pessoas no mundo inteiro ao conseguir a façanha que a bebida fosse incluída na IBA em 1994. O intuito do Concurso do Rabo de Galo era exatamente esse: que o mesmo coquetel também fosse incluído na IBA, aumentando assim a visibilidade da cachaça no mercado internacional.
Ele trabalhou em diversos bares famosos e se tornou um verdadeiro ícone da coquetelaria brasileira. Educou inúmeros bartenders e representou o Brasil com muita dignidade em vários países. Era considerado o Papa da Coquetelaria brasileira, além de ser nosso maior mentor e padrinho.
Cresci ouvindo falar deste senhor distinto que sempre usava uma jaleca branca com um sorriso grande no rosto. Foi uma grande honra poder conhecê-lo pessoalmente em 2021, quando fui a primeira mulher a ganhar o Concurso Nacional do Rabo de Galo (e ainda sou a única).
No início deste ano fui convidada a fazer parte do Comitê do Concurso Nacional do Rabo de Galo em Portugal. Desde então nos falávamos com uma certa frequência, ele sempre respondendo minhas dúvidas em relação a coquetelaria. Durante o concurso em Portugal, fiz parte do júri degustador e cheguei a receber um certificado de suas mãos um dia antes de seu falecimento.
Foi um grande privilégio poder ter sido parte de tudo isso. Seu legado, Mestre Derivan, será levado em cada um de nós. Morreu fazendo o que fazia: elevando a cachaça e bebendo Rabo de Galo.
Derivan era um mestre na hospitalidade e com certeza desaprovaria se eu cancelasse o evento do final de semana. Em sua homenagem será servido Rabo de Galo bem clássico, uma receita sua preferida, a mesma que compartilhou comigo antes de deixar o concurso, e esse mundo, pra sempre.
Portanto, convido a todos a irem me visitar na Wamp que acontecerá amanhã, no Museumsquartier em Viena, a partir das 11:00!