19.07.2024
Diário de Bordo da Frau Cachaça - Parte III
Querida(o) cachaceira(o) do meu coração,
Neste momento estou escrevendo esta Newsletter do meu apartamento, em Viena. Aqui verão, e o calor está insuportável. Eu ainda estou tentando digerir tudo o que eu vivi no Brasil nas últimas três semanas ao mesmo tempo que tentando retornar a minha rotina por aqui. Todas as vezes que retorno do Brasil rola uma espécie de “ressaca mental”, mas o fim de semana está chegando e até segunda-feira, quando o “bicho voltar a pegar”, eu já estarei recomposta.
Mas eu prometi que voltaria para contar da minha última semana no Brasil. E se segura, que a Newsletter dessa semana será bem longa novamente. Mas é tanta coisa, que eu acho que seria melhor dividir esse conteúdo entre posts e episódios de Podcast também. Mas vamos lá.
Cachaça Maria Izabel
Se você foi a Paraty e não visitou o Alambique da Maria Izabel, saiba que você não conheceu Paraty direito.
Maria Izabel é figurinha marcada na cidade, todos a conhecem por lá. Ela é uma senhora de 74 anos, com longas tranças grisalhas, uma pele morena de sol, usa linho e.. não usa sapatos. Nem quando sai do Sítio Santo Antônio – onde se encontra o alambique onde ela vem produzindo cachaça há 30 anos – para ir a cidade resolver algumas coisas. Ela tem uma voz calma e possui uma paciência de Jó com todos os turistas que aparecem para degustar suas cachaças.
A degustação é feita em uma roda descontraída. Todos se sentam ao seu redor para ouvir sua história enquanto vão recebendo as doses de cachaça regadas a risadas e causos. Também é possível visitar onde toda a produção acontece: a sala da fermentação, a sala onde estão os barris e o alambique, que fica num cobertinho em frente ao mar. Tudo muito simples, tudo feito por ela mesma.
O próprio canavial dela se encontra em seu sítio e é a única cachaça da Paraty cuja cana vem somente de Paraty e absolutamente TUDO é feito por ela. Por isso que suas cachaças são mais caras que as outras de Paraty também, já que são extremamente artesanais.
Maria Izabel é uma verdadeira fonte de sabedoria e simplicidade e é com certeza uma mulher que inspira. Fui embora de lá empurrada, pois o que eu queria mesmo era ficar sentada ao seu lado escutando-a por horas, mas todo carnaval tem seu fim, não é?
A aventura continuou no dia seguinte quando deixamos Paraty rumo a uma nova aventura.
Cachaça Pindorama
Saímos de Paraty e seguimos no estado do Rio de Janeiro. A idéia era visitar o Alambique onde a Pindorama é feita, que fica no meio do Sítio das Palmas – um lugar paradisíaco que se encontra perto de Vassouras, no coração do Vale do Café.
Já trabalhei com a Pindorama uns tempos atrás. No momento, ela está esgotada aqui em meu estoque pois eu estava esperando a chegada do lançamento, a Pindorama Ouro, para poder importar tudo de uma vez.
A Pindorama em si é um produto maravilhoso e se eu fosse você, correria atrás de uma amostra caso você ainda não tenha tido o prazer de beber uma boa dose dela. A própria Prata foi a eleita a segunda melhor no último Ranking da Cachaça. O nome Pindorama é uma denominação no Tupi-Guarani para “território do Brasil”; Terra das Palmeiras, Terra livre do mal.
Eu nem tenho palavras pra escrever aquele sítio. Ele comporta não somente um casarão incrível muito bem decorado pelo qual me apaixonei imediatamente, como também um campo de golfe, uma piscina aquecida, uma área de lazer super aconchegante com churrasqueira e forno de pizza, o alambique cujo mestre alambiqueiro é a simpatia em pessoa, um canavial super bonito e tudo. Tudo é extremamente bem pensado e organizado. O que reflete no produto final. O rótulo da Pindorama Ouro é, inclusive, o mais bonito que eu já vi em toda a minha vida.
A produção da Pindorama ainda não é orgânica, mas tudo indica que logo a marca poderá ostentar esse selo. Entretanto, o Marcelo, responsável pelo canavial, me levou para visitar as plantações, me explicou e mostrou como tudo é feito. Foi uma verdadeira aula do estilo “da cana ao copo”.
Depois de passar duas noites neste lugar mágico e sendo mimada por todos ali, chegou a hora de cumprir uma missão muito emocional para mim.
Cachaça Mato Dentro
O alambique da Mato Dentro fica em São Luiz do Paraitinga, situado no Vale do Paraíba e nem precisei sair muito da minha rota até Sorocaba para visita-lo.
Se você tem acompanhado o universo da cachaça e meu conteúdo sabe que Daniel Cembranelli, o responsável pelo alambique, faleceu há exatamente um mês, poucos dias antes de eu ir para o Brasil, aos 37 anos de idade. Daniel tornou-se um dos meus maiores aliados durante minha jornada como Frau Cachaça e quando eu fiquei sabendo de seu falecimento eu fiquei muito triste, já que havíamos cultivado uma amizade e um coleguismo muito legal.
No início eu não queria importunar a família fazendo uma visita, já que é uma fase muito delicada para todos. Acontece que Daniel e eu tínhamos planos pro segundo semestre e eu precisava saber se a família tem a intenção de continuar com a cachaça ou não e eu preciso me preparar para uma nova importação que vai acontecer nos próximos meses. A Mato Dentro, além de tudo, conquistou três clientes novos na gastronomia aqui em Viena e eu preciso dar um retorno a estes bares caso haja uma mudança no futuro.
A princípio a família ainda estava tomada da dor do luto e ficamos de conversar por Zoom num futuro próximo, porém depois de duas semanas eles me contataram e me convidaram para fazer uma visita ao Alambique. Chegar lá e abraçar a mãe do Daniel não foi fácil pra mim. Juntas, choramos bastante e eu agradeci muito terem me recebido de braços abertos, apesar de todos os pesares.
Conheci seus filhos, ainda crianças, conversei com seus primos e tios. Manolo, seu filho de 8 anos, um menino tagarela e bem traquina, não saiu do meu lado enquanto estive lá. Ele me deu um beijo gostoso no rosto e um copo americano com a logo da marca de presente quando fui embora. Segurei o choro pra que ele não percebesse o quanto esse gesto me tocou, já que Manolo tem o jeito e a cara do Daniel. Mal sabe Manolo que foi seu pai que me motivou a fazer copos americanos com minha logo, que logo chegarão aqui em Viena.
Passamos três horas juntos, comemos, bebemos, choramos e conversamos sobre o futuro da marca. Ao que parece, a família tem muito interesse em continuar o legado, que antes era o legado do falecido avô que fundou a Mato Dentro, mas agora tornou-se o legado de Daniel.
E é assim que eu terminei minha jornada de três semanas pelo Brasil. Teve festinha junina de aniversário com família e amigos de muitos anos, baladinha no Madame Satã, teve Copan, sanduíche de mortadela, teve BCB-SP, teve Beagá com Cachaça Classics, Expo Cachaça, teve gravação de Podcast em estúdio, teve muito abraço, muito amor.
Pude conhecer pessoalmente quem eu apenas conhecia nas redes sociais e conhecer bem mais de perto o trabalho das destilarias com as quais trabalho ou de quem eu admiro muito também.
E para finalizar essa Newsletter que mais se parece um conto, eu queria deixar um recadinho pro Daniel Cembranelli, da Mato Dentro:
Dani, infelizmente não tivemos a oportunidade de nos conhecer pessoalmente porque você se foi antes. Obrigada por tudo! Amanhã é dia de conferir as cachaças que você me enviou, que chegaram enquanto eu estava no Brasil. Uma pena não poder compartilhar com você a minha opinião sobre elas, mas sei que você deve estar orgulhoso do que conseguiu alcançar com a Mato Dentro. Um brinde a você, meu amigo!
Beijos etílicos da Frau Cachaça